Como a pandemia do COVID-19 pode afetar os Contratos Imobiliários?

É de conhecimento geral que a pandemia causada pelo COVID-19 exigiu a adoção de medidas drásticas, porém necessárias, pelo Governo e a sociedade como um todo. Isolamento social, fechamento de estabelecimentos, paralisação da grande maioria das atividades comerciais são exemplos. Em contrapartida, as consequências econômicas são nítidas: Não haverá faturamento pelas empresas, recebimento de valores pelas pessoas físicas, principalmente autônomos, bem como haverá pouco dinheiro em circulação.

O mercado imobiliário não ficou isento às consequências e os contratos imobiliários de modo geral serão diretamente afetados. O Direito Brasileiro regula quando ocorrem situações imprevisíveis, caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva nos contratos em vigor, não se esquecendo que a doutrina ainda aborda a frustração do fim do contrato.

O objetivo deste artigo é tratar as implicações jurídicas nos contratos imobiliários mais comuns em virtude das medidas adotadas para combate ao COVID-19. Mas antes, dois esclarecimentos são de relevância extrema:

  1. as conclusões abaixo são generalistas e, dependendo do caso concreto, poderiam ser outras. Portanto, consulte um advogado para o seu caso;
  2. A rescisão contratual não deve ser opção, mas resultante da total inviabilidade da adequação das obrigações contratuais. Portanto, primeiro tente negociar com a outra parte e ajustar o contrato de modo que fique equilibrado. O bom senso é imprescindível!

Passemos aos contratos em espécie:

  1. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – Loteamento e Incorporação Imobiliária (imóvel na planta)

Muito embora possuam legislação própria para loteamento e incorporação imobiliária, Lei 6.766/79 e Lei 4.591/64 respectivamente, também se aplicam a esses contratos o Código de Defesa do Consumidor (quando de fato o adquirente for consumidor) e as regras gerais previstas no Código Civil.

Assim sendo, caso o adquirente tenha sofrido diretamente com essas medidas adotadas para contenção da pandemia e isso lhe tenha impossibilitado ou tornado desproporcional o pagamento das suas prestações, pode-se pleitear ao judiciário a sua adequação à realidade econômica atual.

Isso não significa a ausência do dever de pagar as prestações ou a suspensão delas, mas sim uma adequação nas parcelas de modo que possam ser efetivamente cumpridas pelo adquirente. Além disto, não se trata de uma medida a modificar o contrato como um todo, mas apenas aquelas obrigações que forem diretamente vinculadas ao fato justificador à sua readequação. Ou seja, encerrados os motivos pelos quais a readequação foi necessária, bem como o restabelecimento da situação econômica, as obrigações devem retornar ao acordo originário.

Por outro lado, importante lembrar que as incorporadoras, loteadoras e construtoras, também pelo mesmo motivo, possuem respaldo jurídico a justificar prorrogação do prazo de entrega das obras as quais se comprometeu. Isto porque em virtude da própria falta de pagamento das prestações, os empreendedores não terão recursos para continuar a realização das obras, sendo da essência desses contratos a utilização dos pagamentos para esse fim.

Portanto, as prestações devidas durante o período da pandemia e vigência das determinações governamentais de paralisação, desde que diretamente afetem os adquirentes, devem ser readequadas para a respectiva manutenção do contrato e possibilidade de cumprimento das obrigações.

  1. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA ENTRE PARTICULARES

Nessa relação contratual de caráter eminentemente civil também se aplica a teoria da imprevisão, inadimplemento fortuito e desproporcionalidade da prestação. O Código Civil Brasileiro ampara o reajuste contratual para que as obrigações contratuais sejam ajustadas de modo a permitir o cumprimento, mantendo o contrato e seu equilíbrio, desde que ocorra acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (art. 478, CC).

Importante destacar muito embora seja possível essa readequação, é imprescindível a demonstração de sua inequívoca necessidade, não apenas justificando através da pandemia ocorrida. Assim, é necessário demonstrar que efetivamente esse fato imprevisível – pandemia e necessidade de isolamento social – resultou na impossibilidade de cumprimento da obrigação nos termos pactuados originalmente.

Não se olvida que o novo artigo 421-A, inciso III, do Código Civil é categórico ao prever que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.

  1. CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS
    1. Contrato de Locação Residencial

A pandemia do COVID-19 não terá tanta influência sobre os contratos de locação residencial e não admitirá a sua respectiva revisão/readequação.

O imóvel em si continuará sendo utilizado normalmente pelo locatário. Muito embora as teorias acima descritas se apliquem à todos os contratos indistintamente, no caso da locação residencial há o efetivo cumprimento do objeto do contrato, não justificando o seu reajuste.

Salvo melhor juízo, há uma situação em que poderia ser, eventualmente, revistas as obrigações contratuais: locação residencial firmada em decorrência de relação de emprego. Caso o contrato de trabalho seja suspenso e o locatário não receba a sua remuneração normal, poderia o judiciário reajustar as obrigações contratuais, não reduzindo o valor do aluguel, mas suspendendo o pagamento enquanto durar a suspensão da relação empregatícia, p.ex.

    1. Contrato de Locação Comercial

Como é de conhecimento vários decretos federais, estaduais e municipais proibiram a atividade comercial quando não se tratarem de serviços essenciais. Essa distinção é importante e reflete diretamente nas consequências jurídicas em cada um dos contratos.

Para aquelas atividades comerciais que continuarão seu exercício normalmente, não será viável a adequação do contrato, já que, muito embora a pandemia seja uma situação imprevisível a justificar a revisão em vários contratos, nesse não houve reflexo direto que o impeça ou torne desproporcional o cumprimento da obrigação. Portanto, em uma primeira análise, não haverá fundamento jurídico a respaldar readequação das obrigações do contrato.

Diferente é a situação das empresas cujo funcionamento foi proibido pela administração pública. Essas não poderão operar e assim seu faturamento ficará totalmente comprometido em virtude de necessidade pública, imediata e imprevisível. Nesse ponto, é plenamente justificável a revisão do contrato para que seja adequada à realidade econômica atual.

Importante lembrar que essa revisão deve ser feita com cautela e seja temporária, considerando o período em que as atividades tiverem suspensas, bem como tempo razoável para restabelecimento econômico da empresa.

    1. Locação Comercial em Shopping Center

O que foi dito para a locação comercial geral também se aplicam àquelas para exercício de atividade empresarial em shopping center. Se houve proibição da abertura dos shoppings e os locatários, consequentemente, não poderão exercer a sua atividade empresarial, plenamente justificável a readequação do contrato de locação no que tange aos alugueis.

Entretanto, em shopping não há exclusivamente alugueis, mas também outros pagamentos que são feitos pelos locatários, tais como condomínio e fundo de promoções. Para o primeiro, o risco da atividade empresarial deve ser dividido entre os lojistas e shopping e, consequentemente, os pagamentos deverão ser feitos normalmente. Para o segundo, não havendo necessidade de atividades promocionais, publicidade e marketing, não há justificativa para o respectivo pagamento.